Acre e Califórnia, um virtuoso alinhamento entre política, ciência, florestas e finanças

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Acre e Califórnia, um virtuoso alinhamento entre política, ciência, florestas e finanças

Os estados do Acre e Califórnia (EUA) são reconhecidos mundialmente por suas políticas pioneiras de combate ao aquecimento global, com os programas de redução de emissões de gases de efeito estufa e fortalecimento de suas economias de baixo carbono. Em 2006, na Califórnia, foi criada a Lei AB32 (Global Warming Solutions Act) e no Acre, em 2010, o SISA (Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais), por meio da lei 2.308.

A Califórnia, apesar de ser “apenas” um estado subnacional, ascendeu recentemente à posição de sexta economia global, representando cerca de 13% da economia norte-americana. Seu PIB é em grande parte estruturado na indústria do entretenimento (cinema e música) e na agricultura – com destaque à fruticultura, viticultura (produção de uvas), além da vinicultura (produção de vinhos) –, bem como na tecnologia da informação.

Assim como em Hollywood, frequentemente nascem e brilham novas estrelas no famoso Vale do Silício (que abrange diversas cidades californianas), em órbita com gigantes como Apple, Google, Facebook, Tesla, HP, Ebay, Intel, Airbnb, entre muitas outras que revolucionam a chamada “era da comunicação” com profunda inovação tecnológica.

O Acre, com políticas públicas e privadas inovadoras, tem alcançado nos últimos anos expressiva melhoria em seus indicadores de economia, educação, saúde e renda de sua população, na qualidade da gestão pública, e tem garantido altos índices de conservação dos recursos naturais, em especial suas paisagens florestais.

Destaque especial para o fato de vir conseguindo, ao mesmo tempo, incrementar seu PIB e reduzir as taxas de desmatamento, acumulando 64% nos últimos 10 anos e 15% no período 2014-2015. O que aponta, de forma clara, um novo paradigma nos trópicos, de que a floresta não é impedimento, mas parte da solução para se atingir melhores padrões de vida de sua população, utilizando-se dos princípios e práticas do desenvolvimento sustentável.   Neste cenário, surge potencialmente no estado uma espécie de padrão jurisdicional de certificação de origem de produtos e serviços, fundamentado num modelo de desenvolvimento com baixas emissões de carbono, que constrói uma agenda positiva para redução do desmatamento, ao mesmo tempo que melhora a qualidade de vida de sua população.

A trajetória de vanguarda nas políticas de combate ao aquecimento global, com economias de baixas emissões de gases de efeito estufa dos dois estados, guarda uma peculiaridade que merece ser salientada: apesar da expressiva diferença de aproximadamente 700 vezes entre os PIBs de ambos os estados, a Califórnia, como uma potência econômica global, alcançará até 2020 uma redução de aproximadamente 360 milhões de toneladas de CO2e, enquanto o Acre alcançará 300 milhões de toneladas de CO2e. Uma similaridade que indica quão estratégicas são as florestas tropicais e a redução do desmatamento destas, para contribuir de forma expressiva na solução da grave crise ambiental verificada, o aquecimento global.

Para tanto, é indispensável a consideração de que as florestas tropicais são ecossistemas sensíveis e fundamentais ao equilíbrio da vida na Terra. Prestam diversos serviços ambientais que beneficiam direta e indiretamente toda a humanidade. São a morada de populações tradicionais, abrigam expressiva parcela da biodiversidade e água doce disponível do planeta, são responsáveis pela regulação do clima global, bem como armazenam grandes estoques de CO2 em sua vegetação e em seu solo.

No entanto, os altos índices de desmatamento que ainda ocorrem nessas florestas respondem por algo em torno de 20 a 25% do total de emissões de gases de efeito estufa, que só agravam o já percebido aquecimento global. Com tal cenário negativo, caso as florestas do mundo fossem um país, seriam o terceiro maior emissor, atrás somente de países como Estados Unidos e China.

Nos dias 7 a 18 deste mês, em Marrakesh, no Marrocos, ocorreu a 22ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP22), que teve como propósito avançar nos detalhes da implementação do Acordo de Paris, primeiro documento vinculante contra as mudanças climáticas que envolve todo o planeta, o qual passou a vigorar oficialmente desde o último dia 4, quase um ano depois de aprovado por aclamação por representantes de 195 países na COP21 em dezembro de 2015, na França.

Sabe-se que ainda falta um caminho a ser percorrido para que ele realmente produza efeitos. A Organização das Nações Unidas (ONU) adverte que o planeta deve reduzir “de maneira urgente e radical” suas emissões de gases de efeito estufa para evitar uma “tragédia humana”, mantendo o aumento médio da temperatura global bem abaixo dos 2ºC em relação aos níveis pré-industriais e realizar esforços para limitar o crescimento a 1,5ºC, reconhecendo que isso reduziria significativamente os riscos e os impactos das mudanças climáticas. Sabe-se que fenômenos extremos assolam o planeta em todas as partes, incluindo a Amazônia. No Acre, mudanças de padrões climáticos são registrados pela ciência e percebidos pelos cidadãos, impactados pelas consequências das mudanças nos regimes de chuva e estiagem (secas e cheias), sobretudo sua intensificação nos últimos dez anos.

Enquanto isso, no cenário político mundial, há poucos dias o mundo foi surpreendido pela eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, o que gera preocupações quanto aos seus desdobramentos sobre o futuro climático global. Pergunta-se se esse fato impedirá o cumprimento do Acordo de Clima, já que Trump fez declarações contrárias ao mesmo durante sua campanha eleitoral. Felizmente, segundo órgãos oficiais da ONU, uma vez ratificado não poderá ser suspenso. Vale ressaltar que o estado da Califórnia, com perfil progressista, foi um dos estados onde Hillary Clinton obteve maioria dos votos.

Saliente-se que em 2008, com o propósito de fortalecer as iniciativas inovadoras, foi criada por alguns estados amazônicos, e em parceria com a Califórnia, a “Força Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas” (em inglês: “Governors’ Climate and Forest Task Force” – “GCF Task Force”).  O Estado do Acre é um dos membros fundadores desse Fórum, que tem como objetivo promover o compartilhamento de experiências entre os governos de estados subnacionais sobre a implantação de políticas públicas de fortalecimento do desenvolvimento sustentável de seus territórios.

Em mais uma atitude proativa, em 2015 o governo do Acre tornou-se um dos primeiros signatários Memorando Under2, proposto pelo governo da Califórnia, que hoje já conta com a adesão de mais de 150 governos, partilhando o propósito de adotar medidas para reduzir drasticamente as emissões de gases de efeitos estufa até 2050. As metas de redução alinham-se as medidas para limitar o aquecimento global a menos de 2°C até o fim do século. Esforços globais são necessários para abordar as mudanças do clima e isso implicará ações em todos os níveis de governo, sejam nacionais ou subnacionais, como prevê o documento. Tem-se aqui uma oportunidade relacionar ações de redução expressiva de emissões por parte de seus signatários, e estes em futuro próximo, alcançando alta performance na redução de suas emissões, desfrutarem dos diferenciais comparativos e competitivos de seus produtos e serviços, por estarem alinhados com as diretrizes de uma economia descarbonizada conforme preconiza o Acordo de Paris.

Alinhado com os objetivos das referidas plataformas de cooperação, no último mês de outubro, a convite do Earth Innovation Institute, o governador Tião Viana, acompanhado de empresários e assessores, liderou uma missão à Califórnia. O encontro teve como propósito mobilizar investidores e fortalecer os laços de cooperação técnico-científica entre os diversos setores da economia, da academia, da sociedade civil e do governo naquele estado. Após encontros com representantes dos diversos setores, ficou clara a convergência das políticas de combate ao aquecimento global e o reconhecimento do trabalho pioneiro realizado pelo Acre no fortalecimento de um modelo de desenvolvimento de baixas emissões de carbono, assim como o interesse em fortalecer os laços de cooperação.

Foram diversos encontros com diferentes setores e todos em clara demonstração de reconhecimento dos diferenciais comparativos do Acre no cenário internacional. Um destaque especial a declaração da diretora do Google, Rebecca Moore: “Estou impressionada com a liderança do Acre em monitorar o meio ambiente, protegendo e apoiando as comunidades indígenas e estabelecendo-se como liderança em toda a Amazônia brasileira para o resto do mundo. Estou empolgada com a oportunidade de trabalharmos juntos e fazer do mundo um lugar melhor”.

Com políticas inovadoras e efetivas de redução das emissões de gases de efeito estufa, implementadas por líderes visionários como o Governador Tião Viana e Jerry Brown, os estados do Acre e Califórnia, dão sinais concretos de ajuste do passo da política com o mundo real na agenda de clima, e apontam os caminhos de superação da maior crise do mundo contemporâneo, o aquecimento global. Reconhecidos mundialmente pelo pioneirismo, e virtuoso alinhamento entre Política, Ciência, Florestas e Finanças, despontam como duas potências na consolidação de um novo padrão civilizatório, descortinando novas rotas para a história no limiar do século XXI.

As atuais e futuras gerações agradecem.

* Alberto Tavares (Dande), diretor da Companhia de Desenvolvimento de Serviços Ambientais

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